Rachel de Queiroz - Revista O Cruzeiro - 15 /09/1970
Aproximam-se as eleições parlamentares e o país todo é uma grande interrogação. Embora eu ainda não acredite que a resposta das urnas já seja, pròpriamente, uma resposta à obra dos homens do 31 de março. O prazo decorrido ainda foi curto, com tantas interrupções pelo meio. Nota-se contudo que há no povo uma grande sensibilização que só se pode chamar de patriótica: um interêsse nôvo pelo Brasil, um gôsto de dizer o nome do Brasil, de falar que é brasileiro, de usar a bandeira, de pintar as coisas de verde e amarelo, de sentir o Brasil grande.
Talvez o elemento desencadeador dessa euforia tenha sido o resultado da Copa do Mundo; mas o interessante é que a euforia não passou, mesmo depois de passadas as comemorações do feito esportivo. Acho que, essencialmente, todos os brasileiros estávamos cansados da estagnação no subdesenvolvimento, do sentimento de sermos irremediàvelmente pobres, pregados no atraso e na desordem de um país de segunda classe. Estávamos ansiosos por qualquer coisa que levantasse o orgulho nacional. Estávamos fartos da esterilidade da contestação e do protesto. Digo isso quanto à maioria, que os grupos minoritários, todos sabem, são um caso à parte; e, afinal, quem conta é a maioria.
Vejam-se, por exemplo, os homens do show-business, que têm as antenas sempre orientadas no sentido das preferências populares. Êles abandonaram decididamente a contestação e o protesto, que até bem pouco tempo eram a tônica de qualquer espetáculo, às vêzes metidos à fôrça, com propósito ou sem propósito, até mesmo quando o texto não dava pé. E não se diga que êsse abandono do protesto é obra da censura, pois mesmo nos momentos de censura mais severa há meios de chegar até ao limiar do permitido e insinuar ou dizer entre linhas o que abertamente não pode ser dito. Acontece é que evidentemente o público já não prestigia os shows de protesto; não vai ver, não compra entradas. Os letristas da MPB sintomàticamente deixam de falar só em irmão, em paz, em mão aberta, em guerra, em fome, em sangue e demais chavões do cancioneiro contestatório. A onda do Patropi continua crescendo; o êxito do País Tropical ainda não sofreu colapso, pelo contrário, vai sempre em maré montante, já agora através dos imitadores, pois só se imita o que está de cima.
Afinal, o povo não é cego nem é burro. E o povo está vendo que os homens trabalham, e lhe entram pelos olhos os bons resultados dêsse trabalho.
A situação econômica, entre outras coisas, está na cara, para quem quiser enxergar. O contrôle da inflação, que parecia impossível, hoje já se considera conquista assegurada. A exportação cada vez maior e mais diversificada, as marcas “Indústria Brasileira” ou “Made in Brazil” espalhadas pelas sete partes do mundo. Os problemas da educação sendo enfrentados - e na maioria resolvidos ou em caminho de resolução. Essas obras, pontes e estradas e cais e hidrovias e escolas e usinas elétricas se expandindo por tôda parte. O tal de Produto Nacional Bruto, a entidade mística dos economeses, êsse, mesmo os técnicos mais pessimistas já não podem esconder que cresce a olhos vistos, queimando as estatísticas. Até Mr. Herman Kahn deixa de futurar para nós apenas miséria e indignidade e nos tira amàvelmente do fim da fila para um lugar muito melhor.
Mas o bom mesmo é o cheiro de madrugada que se sente por tôda parte. Um gôsto de deixar que os meninos cresçam. Uma confiança, uma segurança novas, como se de repente houvéssemos descoberto que nem tudo está perdido ou, pelo contrário, que nada está perdido. Que a terra é bela e é nossa e quem tinha razão era mesmo o escrivão Caminha: em se querendo plantar, dar-se-á nela tudo.
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