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quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Mais uma história triste de um militar na América Latina

Nota introdutória de Graça Salgueiro:
Chamo a atenção para casos como que o segue, escabrosos, e que vêm acontecendo na Argentina, Uruguai, Colômbia e Chile, mais especificamente, para que se possa ver que o modelo e os objetivos do Foro de São Paulo são os mesmos para toda a América Latina: a destruição total dos militares e das Forças Armadas nacionais de cada um dos países do continente.
Esta história começa em 1956, quando entrei para a Escola Militar. Entre os cadetes, os do último ano se diferenciavam do resto porque praticavam sua capacidade adquirida para o comando e a administração.
Um deles chamava-se Juan Carlos Pablo Lorenzo e seu sobrenome era Gómez. Eu não havia conhecido ninguém com quatro nomes. Ele destacava-se por ser o porta-bandeira do Pavilhão Nacional, máximo galardão possível entre todos os cadetes. Com o tempo aprendi que não lhe haviam presenteado nada: por suas condições de muito bom aluno, sumamente correto e capaz, agregava outra qualidade fundamental: era uma grande pessoa em todo o sentido da palavra e com uma dose de bondade pouco comum.
Essas condições lhe serviram para colher o que poucos conseguem: uma estima grande e generalizada entre os que o conheciam e que transcendeu longamente a esfera militar. Foi muito fácil aprender a querer-lhe bem. Tive e terei sempre a fortuna de ser seu amigo.
Um dia o chamaram para depor como testemunha em um tribunal. Ele disse o que sabia e foi tranqüilo para sua casa. Porém, esta justiça que hoje suportamos guardava uma muito desagradável surpresa para ele: o notificaram novamente, porém para comunicar-lhe seu processamento. Posso imaginar a dolorosa surpresa que este homem levou: aos seus setenta longos anos ia preso por algo com o qual não tinha nada a ver!
Seu espírito militar e sua fé inquebrantável lhe permitiram resignar-se a uma situação que, o mais incrível, mostrava, uma vez mais, que nestes momentos nenhum militar é dono de sua liberdade.
Sua família, exemplar tal como corresponde a um homem de suas características, o acompanhou e o ajudou ao extremo de suas filhas tomaram para si o encargo de contribuir com a sua defesa junto a seus advogados. Foi assim que puderam encontrar uma testemunha que se prestou a depor contra o falso testemunho que se havia dado contra ele e que o levara à prisão.
Desde o princípio Juan Carlos quis ter uma acareação com o denunciante para demonstrar a falsidade de suas palavras, mas a juíza se opôs pela idade de tal testemunha. Tratava-se de um homem de mais de oitenta anos que havia estado detido naqueles anos na Unidade onde se produziram os fatos, e que havia presenciado os mesmos. Ele acusou meu amigo, depois de quase quarenta anos, pela cor de seus olhos.
As filhas de Juan Carlos, depois de muito investigar, deram com uma pessoa que compartilhou o cárcere com o falso informante e que estava disposto a testemunhar ante a justiça de que não era nesse lugar no qual ele e a falsa testemunha estiveram detidos naquela época, senão que era em outra cidade muito distante. Um testemunho assim jogava no chão o afirmado pela outra única falsa testemunha.
Fez-se a apelação judicial correspondente e esperou-se o ditame do Tribunal de Apelações. Transcorreram vários meses de expectativa crescente, que deveriam ser de plena confiança em um desenlace favorável, mas não foram assim pela desconfiança que geravam os fatos que vinham sucedendo no nível da justiça nos assuntos vinculados aos militares.
Finalmente, chegou o ansiado dia. E a justiça falhou [1], no duplo sentido da palavra. Falhou porque deu sua sentença e falhou porque, uma vez mais, se equivocou. Meu amigo continua preso. Em poucos dias ele fará 77 anos e seguramente sua fé, sua família e seus amigos já não seremos suficientes para o seu consolo.
O que fazer diante desde descalabro? Como pode uma sociedade se defender de tanta maldade? Onde esteve guardada essa sanha que emerge diariamente desde os rincões mais impensados? Para o resto dos cidadãos a justiça continua funcionando com aparente normalidade. O assunto é com os militares. Passamos a ser seres de outra categoria, para os quais existe um tratamento diferente: somos delinqüentes a priori e é nossa obrigação demonstrar que não somos e, mesmo assim, não acreditam em nossa palavra nem em nossas testemunhas. Além disso, somos extremamente perigosos para a sociedade.
Estamos na época em que desfrutam os que encheram sua alma de ódio e não foram capazes de afastá-lo de suas vidas. É a época em que deve-se compensar economicamente os que lutaram por ideais impossíveis e atentaram contra a Pátria. É a época em que as pessoas comuns, por temor, não movem um dedo para ajudar o próximo que está assaltando nas ruas e muito menos há de fazer nada pelos que são injustamente acusados pela justiça. É a época em que não há líderes políticos capazes de fazer o governo reagir, com suas prédicas a favor da verdadeira justiça.
É a época que nos toca viver.


O autor é militar uruguaio.


Notas da tradutora, Graça Salgueiro:

[1] A palavra “fallo” em espanhol, significa tanto falho, do verbo falhar, quanto sentenciar. Daí que só no original em espanhol compreende-se o “duplo sentido” citado pelo autor.
[2] Este caso assemelha-se ao do coronel colombiano Luis Alfonso Plazas Vega, por ter uma única testemunha como peça da acusação, e ainda assim, provadamente falsa, onde a justiça encontra meios de desacreditar a verdade e fazer constar como verdadeira a falsa para condenar um inocente, pelo simples fato dele ser militar.

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