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segunda-feira, 18 de maio de 2020

O liberalismo é a negação da Pátria



Do fracasso do liberalismo originou-se a descrença em nossos homens. Daí um sentimento acentuado e geral de incapacidade. Todavia, os pró-homens do liberalismo, longe de pesquisarem as causas dos nossos males, preferiram, numa atitude comodista e pela lei do menor esforço, explicar tudo pela negação da nossa raça. “O brasileiro é preguiçoso” – “somos um povo de bugres” – “precisamos de tutela estrangeira” – coisas assim eram ouvidas constantemente, e, de tão repetidas, passaram a retratar o estado de ânimo de nossa gente, que as aceitava como verdades incontestáveis. Negava-se então a pátria. Via-se o Brasil em confronto com a Europa. E, embora povo jovem, pensávamos, decrepitamente, pela cabeça do velho mundo.
Aí, sobretudo, estava a razão do mal – aí, no desconhecimento da nossa realidade, na incompreensão das nossas forças, no olvido da nossa gente. Tudo “made in Europa” era bom. Aliás, esse estado de coisas era geral na América Latina. “Houve um tempo” – nota Pedro Vergara – “em que todos os problemas políticos, nos países sul-americanos, eram tratados de um ponto de vista abstrato; presos aos livros e às teorias de origem estrangeira, os nossos jornalistas e os nossos oradores, chamados “doutrinários”, se compraziam em divulgar e apregoar, como soluções para os problemas políticos brasileiros, tudo quando se escrevia, se dizia ou se praticava na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos”. Esse tempo foi o tempo do liberalismo, quando vivíamos europeisticamente.
Daí, entre outras anomalias, o sufrágio universal – aberração política verdadeiramente catastrófica, entre nós. Povo inculto, pobre, doente, o povo brasileiro não era livre bastante, nem bastante educado, para com ele se tentar tal experiência. As consequências do sufrágio universal ainda estão visíveis: a degradação do caráter do povo (com a venda do voto) o seu apassivamento (a que se apelida de “carneirismo”), o advento desse tipo funesto, chamado ‘”coronel” (geralmente bronco e mau) de quem dependia a vida municipal.
Daí o sistema representativo, que, entre nós, na era republicana, não passou de pretexto para exibicionismos ridículos e negociatas escandalosas – representando, as câmaras altas, espécie de circo onde se digladiavam os partidos em torno de princípios inócuos ou de apetites pessoais, e as baixas, as municipais, espécie de currais de bois mansos.


Daí a “autonomia” dos Estados, autonomia que se procurou interpretar como soberania, refletindo-se em tendências separatistas, dada a ascendência dos maiores e a inferioridade de plano a que eram relegados os menores Estados. Daí a “livre-concorrência” entre concorrentes de forças e possibilidades desiguais, motivando a exploração do povo pelos magnatas, a asfixia do pequeno produtor, do pequeno lavrador, do pequeno industrial. Daí uma “liberdade” que foi confundida com a anarquia. Daí se considerar a questão social como um “caso de polícia”. Daí a agitação permanente em redor do vácuo, ou melhor, de princípios abstratos, que só tinham existência nos textos das leis. Daí a multidão de calamidades que pesava sobre nós, e daí, com a descrença nos homens e a falência das instituições, a negação da pátria.
Por isso, não tínhamos um Estado, que não seria possível organizar com elementos importados, porque o Estado é coisa natural, nasce com tal ou qual fisionomia, conforme o meio em que se forma. O território aí estava, imenso, rico; o povo aí estava, com as suas tradições, a sua história, as suas necessidades, os seus anelos. Só não tínhamos um princípio de vida pública, uma política, a terceira e mais importante, talvez, das componentes do Estado. Os governos experimentados, feitos para outros povos, não se ajustaram à nossa realidade. “Eis aí os elementos do Estado: povo nacional, como unidade de sentimento, língua, religião; território nacional… Falta um governo nacional”, observava Pedro Calmon.
Contudo, a reação surgiu. Vozes esparsas e poderosas começaram a fazer-se ouvir, mostrando o abismo e indicando os caminhos certos. Todos acordaram em que a salvação estava em, compreendida a nossa realidade, fazer-se um Brasil brasileiro. “O nosso trabalho” — escreveu Gilberto Amado — “deve ser, mantendo a república, torná-la, antes de tudo, brasileira”.


O brado de brasilidade foi, aos poucos, ecoando em todo o território nacional, até que se asilou no coração do povo inteiro. Este compreendeu, então, a verdade essencial, e começou a adquirir consciência de si próprio e de sua missão. Desde alguns anos antes de 1930 já se podia constatar a ansiedade de nossa gente, inquieta na procura de novas formas de vida, aflita em busca de um rumo definitivo. A crítica ao liberalismo revelou a precariedade do regime, que, melhor compreendido, foi afinal repudiado, por imprestável. Vivemos, então, minutos formidáveis da nossa história.
Revista Cultura política – Ano II, nº 11 – Janeiro de 1942. Por Paulo de Figueiredo

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