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sexta-feira, 15 de maio de 2020

Seyla Benhabib – A Crítica de Carl Schmitt a Kant: Soberania e Direito Internacional

I. Os Ventos da Guerra – Por Quem Eles Sopram?


Em 1922, Carl Schmitt publicou “Teologia Política: Quatro Capítulos sobre o Conceito de Soberania”[1]. Republicado em 1934 com um novo prefácio de Schmitt, este texto, junto a “O Conceito do Político” (1932) e “Crise da Democracia Parlamentar” (1923)[2], estabeleceu Schmitt como um dos principais críticos do projeto democrático liberal. Schmitt documentou não apenas a transformação sociológica do parlamentarismo liberal no governo de grupos e comitês de interesses especiais que eventualmente solapavam os parlamentos de funcionarem como corpos deliberativos. Ele também apontou as falácias racionalistas do liberalismo até seus “conceitos-limite” – die Grenzbegriffe – serem descobertos. Estes conceitos-limite, na perspectiva de Schmitt, constituíam as bases secretas e impensadas sobre as quais a estrutura do Estado moderno se apoiava. A soberania é um desses conceitos-limite; governo por discussão, e a pressuposição de que todas as opiniões eventualmente convergirão através da deliberação até um resultado racional, estão entre as outras pressuposições inquestionadas do liberalismo.

As críticas sociológicas e filosóficas de Schmitt se provaram formidáveis e inspiraram pensadores da direita e da esquerda. De Otto Kirchheimer e Walter Benjamin a Hans Morgenthau e Leo Strauss, até Chantal Mouffe e Ernesto Laclau[3], bem como muitos outros em nossos tempos, Schmitt é a éminence grise a quem nos voltamos quando o projeto liberal-democrático está em crise. Não há necessidade aqui de documentar o extenso renascimento schmittiano que floresceu na Europa e nos Estados Unidos nas últimas décadas. Ao invés disso, eu gostaria de relembrar brevemente algumas teses da “Teologia Política” de Schmitt para poder demarcar as continuidades e as descontinuidades entre preocupações contemporâneas que podem ser reunidas sob a “teologia política” e as próprias preocupações de Schmitt.


Há pelo menos três teses interligadas e nem sempre claramente distintas na “Teologia Política” de Schmitt. Em primeiro lugar, há a tese sobre a história das ideias, às vezes referida por Schmitt como a “sociologia dos conceitos” também (pg.45), e melhor expressada através da seguinte afirmação: “Todos os conceitos significativos da moderna teoria do Estado são conceitos teológicos secularizados, não só por causa de seu desenvolvimento histórico – no qual eles foram transferidos da teologia para a teoria do Estado, por meio do que, por exemplo, o Deus onipotente se tornou o legislador onipotente” (pg.36). Em segundo lugar, Schmitt explora a hermenêutica legal, isto é, a dialética da regra geral e do caso particular, a lei e as instâncias nas quais ela se aplica. Em terceiro lugar, Schmitt desenvolve uma tese sobre a construção e as prerrogativas da soberania como núcleo de legitimidade do Estado moderno. O que ressoa mais nos debates contemporâneos sobre teologia política não são nem a primeira nem a segunda das teses de Schmitt, mas a terceiro, ou seja, a sua teoria da soberania como exceção. É como se o Zeitgeist político de nossos tempos tivesse dado vida nova às famosas linhas de abertura da “Teologia Política” de Schmitt, “Soberano é aquele que decide sobre a exceção” (pg.5).

O conceito de soberania tem uma dimensão interna, além de uma externa: consido como uma norma no direito doméstico, ele se refere à mais alta fonte de autoridade em um regime jurídico, e aspectos significativos da obra de Schmitt são dedicados a analisar os dilemas constitucionais da legalidade e da legitimidade que cercam a soberania[4].

A soberania também tem uma dimensão internacional: após o Tratado de Vestfália (1648) que encerrou as guerras religiosas na Europa, ela tem significado que uma entidade política unitária, seja uma monarquia ou uma democracia, é reconhecida por outras unidades políticas como igual e interage com elas com base em certas normas, leis e tratados. No mundo pós-11 de setembro de 2001, muitos estudiosos têm se voltado para esta dimensão dos escritos de Schmitt sobre soberania externa e direito internacional[5]. Enquanto alguns veem neste novo século XXI a difusão e emergência de normas cosmopolitas, outros dizem que é a disputa pelo poder do imperium americano ou da única superpotência que impulsiona os conflitos internacionais de nossa era.

Assim, em um artigo chamado “Uma Guerra Justa? Ou Apenas uma Guerra?: Schmitt, Habermas e a Ortodoxia Cosmopolita”, William Rasch concluiu com essas palavras assombrosas:

“Chame de dialética do esclarecimento, se você quiser, ou apenas de ironia perversa, mas o espírito ressuscitado daquele velho ‘católico’, Carl Schmitt, é certamente um dos Heines [em referência a Heinrich Heine – NdA] do presente que combate a completude de nossa Geistes Bastille contemporânea, o direito cosmopolita monolítico previsto por Habermas... Por um lado, em nome da paz perpétua, Habermas defendeu a guerra perpétua de ‘compulsão gentil’ e ações policiais contínuas; por outro lado, em nome da particularidade homogênea e beligerante, Schmitt nos insta ao valor universal e à possibilidade da política como simultaneamente afirmação e oposição. Assim, Schmitt, o nacionalista, também pode ser Schmitt, o multiculturalista internacional, que oferece àqueles que ‘obstinadamente’ querem resistir ao ‘Ocidente’ um embasamento teórico[6].”

Publicado em 2000, o artigo de Rasch precedeu os ataques ao World Trade Center e ao Pentágono em 11 de setembro; a Guerra do Afeganistão; a Guerra do Iraque; Abu Ghraib, Guantánamo e muito mais. Enquanto o juízo de Rasch de que Schmitt pode ser chamado de um dos “Heines do momento”, é certamente uma instância de “ironia perversa” (Rasch, 1683), não obstante, ele estava correto em farejar o “odor dos tempos”, que viria a identificar o cosmopolitismo com o imperialismo global e, particularmente, com o projeto da hegemonia mundial americana. Carl Schmitt, desde então, e até desde antes, se tornou o ponto de referência indispensável para todos aqueles que querem desvelar as hipocrisias, inadequações e até a falência, das políticas liberal-democráticas, em casa e no exterior[7].

Meu objetivo neste artigo é ir à raiz da crítica schmittiana do direito internacional liberal, como sendo um artifício para ocultar aspirações hegemônicas, levando em consideração a sua negligenciada discussão do conceito kantiana de “guerra justa” em “O Nomos da Terra no Direito Internacional do Jus Publicum Europaeum[8]. Contrariamente ao que Rasch afirma, veremos que Schmitt não é nenhum defensor inocente do multiculturalismo resistindo à hegemonia ocidental. Ele é um teórico autoritário do Estado que quer que a guerra permaneça prerrogativa dos Estados-Nações soberanos e que luta contra as restrições do direito internacional à guerra agressiva ao denunciar a Liga das Nações, o pacto Kellog-Briand e Woodrow Wilson por “criminalizar a guerra”.

Após examinar as múltiplas camadas nas quais o argumento de Schmitt em seu “Nomos da Terra” procede (II e III), a parte I focará em uma leitura de sua crítica do conceito kantiana de “inimigo injusto” (hostis injustus) nos “Elementos Metafísicos da Justiça” (1799). Schmitt não está errado ao afirmar que a discussão de Kant apresenta um profundo argumento moral para limitar o jus in bello (direito à guerra) mas que ele também contém certos deslizes e ambiguidades que podem justificar intervenções humanitárias de modo a permitir a construção de uma ordem internacional liberal (IV). Minha abordagem é simultaneamente crítico-interpretativa e reconstrutiva, no sentido de que eu quero trabalhar a leitura que Schmitt faz de Kant para fazerem emergir questões mais amplas sobre direito internacional e soberania.

Na conclusão (V), eu me volto para a discussão contemporânea dessas questões, também atuais na Suprema Corte dos EUA, e defendo que Schmitt, bem como críticos esquerdistas da hegemonia americana, falsificam a relação entre direito internacional e soberania democrática, como se esse fosse um modelo de dominação de cima para baixo. Mesmo conflituosa, a relação entre normas internacionais e soberania democrática precisa ser interpretada como uma de mediações, e não de dominação.

II. O Nomos da Terra de Schmitt


“O Nomos da Terra” é uma obra tardia de Schmitt, publicada pela primeira vez em 1950, ainda que alguns dos artigos sobre esses temas tenham aparecido nos anos 40[9]. É uma obra magisterial que estabelece a importância de Schmitt como especialista em direito internacional. O texto a avança simultaneamente em três níveis, que podemos caracterizar como um nível ontológico, um nível político-realista e um nível pessoal. No nível ontológico, Schmitt está estabelecendo uma ligação entre Ordnung e Ortung (“ordem” e “orientação”), entre a lei enquanto nomos e a terra. Nomos é mais amplo em significado do que apenas lei e é usualmente interpretado como “a comunalidade da pólis”, o “conteúdo da constituição, das leis e dos costumes”[10]. Em termos que não podem deixar de nos recordar Heidegger, Schmitt escreve sobre “die elementaren Ordnungen ihres terrestrischen Daseins” (as ordens elementares do ser terrestre do homem), e ele acrescenta, “Buscamos compreender a ordem normativa da terra” (Nomos, 6:39). O alemão, porém, fala em um “Sinnreich der Erde”, possivelmente melhor traduzido como o “domínio do significado” da terra.

Essas teses ontológicas sobre lei enquanto nomos, a terra e seu significado, ordem e orientação tem suas fontes em um velho e atual debate no qual Schmitt estava envolvido com neokantianos como Hans Kelsen[11]. Como Raphael Gross explica em um artigo esclarecedor, Schmitt adotou o conceito de nomos, “herdado da teologia política do protestantismo alemão”, tal como defendido por Wilhelm Stapel, que por sua vez havia desenvolvido este conceito como parte de seu enfrentamento teológico com o judaísmo[12]. Qual é a fonte da autoridade da lei: a vontade ou razão humana? Ou alguma ordem mais fundamental que precede os atos legislativos humanos? A lei expressa princípios de justiça humana, ou estaria a lei fundada em alguma outra ordem que precede, mas limite, a justiça humana? Schmitt não é um teórico dos direitos naturais, e ele não pode responder ao positivismo kelseniano apelando ao direito natural; em vez disso, ele apela a uma “ordem da terra”, e do “lugar” (Raum), em oposição às compreensões positivistas da lei que veem a lei como cobrindo tanto a terra quanto o mar e como emergindo quando quer que a “vontade de uma deva ser posta sob uma lei da liberdade para coexistir com a vontade da outra”, para usar uma locução kantiana. Em vez disso, para ele o conceito alemão de “lei”, Gesetz, está profundamente implicado na oposição teológica entre “lei judaica” e “graça cristã”. (Nomos, 39;70)[13].

No nível da realpolitik, a segunda metade da obra de Schmitt empreende uma impiedosa, mas nem sempre injustificada, polêmica contra as tentativas anglo-saxãs e especialmente americanas de desenvolver um novo direito das nações. A formação estatal moderna no Ocidente começa com a territorialização do espaço. O fechamento de uma porção particular da terra e sua demarcação frente a outras através da criação de fronteiras protegidas – e a presunção de que tudo que está dentro dessas fronteiras, seja animado ou inanimado, pertence ao domínio do soberano – é central para o sistema de Estados territorialmente vinculados da modernidade ocidental. Neste modelo vestfaliano, a integridade territorial e uma autoridade jurisdicional unificada são dois lados da mesma moeda; proteger a integridade territorial é o lado anverso do poder do Estado de afirmar a sua autoridade jurisdicional.

Os Estados absolutistas modernos da Europa Ocidental eram governados pelo “Jus Publicum Europaeum” como seu direito internacional. Porém, este modelo foi instável desde seu início, ou como na famosa frase de Stephen Krasner, “soberania é hipocrisia”[14]. A descoberta das Américas no século XV, as aventuras imperialistas na Índia e na China, a luta por dominação sobre o Oceano Índico e a colonização da África no século XIX, destruíram esta forma de soberania estatal e direito internacional ao desgastar em suas periferias[15]. Não apenas o confronto do Ocidente com outros continentes, mas a questão sobre se o Império Otomano pertencia ao “Jus Publicum Europaeum”, mostrava as limitações dessa ordem. Ainda que o próprio Schmitt não esteja longe de idealizar este momento vestfaliano na evolução da “lei da terra”, a sua própria narrativa documenta os seus limites inerentes e a sua eventual dissolução. A desterritorialização dos Estados modernos caminha lado-a-lado com a sua transformação de repúblicas burguesas em impérios europeus, sejam estes os da Inglaterra, França, Espanha, Portugal, Bélgica, Holanda ou Itália[16].

Acompanhando estes desenvolvimentos houve tentativas de formular uma nova lei das nações para suceder o “Jus Publicum Europaeum”. De destaque entre essas foram os esforços fracassados da Liga das Nações de projetar uma nova “ordem espacial” jurídica entre 1919 e 1939 (Nomos, 225; 257-58). Para Schmitt, o problema decisivo neste período – mais do que o das colônias – é a relação entre os EUA e a Liga. Como ele apresenta de maneira mordaz:

“Uma vez que a prioridade da Doutrina Monroe – o princípio tradicional do isolamento do hemisfério ocidental, com suas interpretações de ampla abrangência – foi afirmada em Genebra, a Liga abandonou qualquer tentativa séria de resolver o problema mais importante, nomeadamente a relação entre a Europa e o hemisfério ocidental. É claro, a interpretação prática da ambígua Doutrina Monroe – sua aplicação em casos concretos, sua determinação da guerra e da paz, suas consequências para a questão das dívidas entre aliados e o problema das reparações – foi deixado exclusivamente para os EUA... Enquanto a Doutrina Monroe proibia qualquer influência da Liga em questões americanas, o papel da Liga nas questões europeias...era codeterminado por esses Estados membros americanos”. (Nomos, 224;254-55)

Em uma virada que poderia ter vindo da pena de Jacques Derrida, Schmitt conclui: “Os Estados Unidos, formalmente e decisivamente, portanto, não estiveram presentes em Genebra. Mas eles estiveram, como em todas as outras questões, e dificilmente ineficazes e muito intensamente presentes também. Resultou daí, então, uma combinação estranha de ausência oficial com presença efetiva, que definiu o relacionamento da América e com a Convenção de Genebra e com a Europa” (Nomos, 224-25).

O diagnóstico que Schmitt faz do excepcionalismo americano – sua ausência presente – em relação à Liga das Nações, e às organizações internacionais e ao direito internacional em geral, é bastante preciso, e no período entre a Guerra do Golfo de 1993 e a Guerra do Iraque de 2003 encontrou audiências novas e receptivas. É essa relação ambivalente das compreensões americanas da soberania com um novo direito das nações que está no âmago das preocupações contemporâneas dos ministros da Suprema Corte, vis-à-vis o direito internacional[17]. De fato, os Estados Unidos permanecem uma presença ausente, mesmo hoje, do Tribunal Penal Internacional.

Enquanto eu considero o comentário de Schmitt sobre as manipulações e inconsistências históricas, geopolíticas e jurídicas dos Estados Unidos enquanto potência global inobjetável, temos que ter em mente que Schmitt critica o comportamento americano não para oferecer um novo direito das nações, mas para sabotá-lo completamente ao mostrar que ele se baseia em hipocrisias. A hegemonia americana pode ser economicamente e militarmente irresistível, mas ela não está de forma alguma juridicamente justificada aos seus olhos.

O interesse pessoal de Schmitt nessa questão – e este é o terceiro nível mencionado acima – é destruir a legitimidade da ordem global emergente entre 1919 e 1939, e em particular a criminalização da guerra através da doutrina de que guerras de agressão são crimes jurídicos. Com este argumento, Schmitt está não apenas tentando salvar a honra do imperador Guilherme II que foi considerado um criminoso de guerra pelos Aliados como resultado do Tratado de Versalhes de 1919, mas ele está também tentando salvar a sua própria honra, já que ele se recusaria a cooperar com a investigação da Comissão de Desnazificação e teria seu próprio direito de ensinar (venia legendi) revogado pelos Aliados após a Segunda Guerra Mundial[18]. Se a ordem jurídica que emergiu neste período sob a influência da Liga das Nações e a criminalização da guerra de agressão estava baseada em hipocrisias e contradições jurídicas, morais e geopolíticas, então como a ordem jurídica de Nuremberg que resultou da derrota do Terceiro Reich poderia ser qualquer coisa além de uma continuação dessa ordem falida? É neste contexto que os ataques de Schmitt contra o “conceito discriminatório de guerra”, e seu apelo por restaurar o “conceito não-discriminatório de guerra” precisam ser avaliados, ainda que a preocupação com esses temas derive de suas preocupações teóricas profundamente enraizadas e não reflita apenas motivos de autojustificação.

III. O Fim da Doutrina Pré-Moderna da Guerra Justa


O panegírico de Schmitt ao “Jus Publicum Europaeum” na primeira parte do Nomos enfatiza que este sistema neutraliza a guerra se afastando da noção medieval de “guerra justa”. Nessa transformação o inimigo não é mais visto como “inimicus”, mas como “justi hostes” (categorias que também retornam no conceito do “político” de Schmitt).[19] O inimigo não é alguém com quem se possui conflitos religiosos, morais ou existenciais – um inimicus – mas alguém com quem é possível ter conflitos de interesses atuais ou potenciais. 

Schmitt, porém, nunca é consistente em suas tentativas de distinguir hostis de inimicus, o inimigo público do inimigo privado, por causa de sua alegação de que o inimigo é aquele com quem se tem o tipo mais “intenso” de conflito. Em última análise, essa distinção nos leva de volta à sua teoria racialmente fundamentada do povo como Volksgemeinschaft. Tal como Karl Löwith, um dos primeiros e mais perspicazes observadores de Carl Schmitt, nota:

“Por um lado, ele deve se apossar de uma substancialidade que não mais se encaixa em sua própria situação histórica e da qual o inimigo deriva conteúdo substantivo; por outro lado, como um homem moderno, pós-romântico, que pensa muito ocasionalmente ser capaz de crer em distinções divinamente desejadas e naturalmente dadas, ele deve novamente relativizar as pressuposições substanciais e alterar toda a sua distinção fundamental em uma existencialidade formal. Como consequência, suas formulações decisivas da distinção amigo-inimigo transitam indecisivamente entre uma compreensão substancial e uma compreensão ocasional da amizade e da inimizade, de modo que não sabemos se o que está em jogo aqui são aqueles de tipo semelhante e aqueles de tipo diferente, ou se o que está em jogo são simplesmente aqueles que – com ou contra – são ocasionalmente aliados. Sobre o fundamento mutável dessa ambiguidade Schmitt constrói o seu conceito do político, cujo traço essencial não é mais a vida na polis, mas simplesmente o jus belli”.[20]

Em um nível mais positivo, a reconstrução que Schmitt faz do eventual declínio da “guerra justa”, usada por teólogos cristãos em seu encontro com o Novo Mundo, é presciente (Nomos, 69ff.; 102ff), e antecipa alguns dos melhores trabalhos feitos por estudiosos contemporâneos da teoria pós-colonial[21]. Mas as coisas nunca são simples com Schmitt, já que ele não pretende apenas criticar a doutrina medieval da guerra justa, mas denunciar o conceito discriminatório de guerra que pretende banir as guerras de agressão.

“Com base nas relações entre Estados”, escreve Schmitt, o direito internacional pós-medieval europeu do século XVI ao século XX tentou reprimir a justa causa. O ponto referencial formal para determinar a guerra justa não era mais a autoridade da Igreja no direito internacional, mas a igual soberania dos Estados. Em vez de justa causa, o direito internacional entre Estados se baseava no justus hostis. Qualquer guerra entre Estados, entre soberanos iguais, era legítima. Dada essa formalização jurídica, uma racionalização e humanização da guerra foi alcançada por 200 anos”. (Nomos, 91;121)

Este conceito de guerra se baseia na separação das premissas teológico-morais das premissas político-jurídicas, e na separação “da justa causa, fundada em argumentos morais e no direito natural, da questão tipicamente jurídico-formal do justus hostis, distinto do criminoso, ou seja, de se tornar o objeto de ação punitiva” (Nomos, 91; 121). Schmitt também chama isso de conceito “neutralizado” da guerra: “Todas as guerras interestatais em solo europeu, realizadas por exércitos militarmente organizados de Estados reconhecidos pelo direito europeu das nações (Völkerrecht), são justas no sentido do direito europeu das nações desse período interestatal” (Nomos, 115; 143).

O direito internacional de 1918 a 1939, por contraste, solapa essas distinções ao criminalizar as guerras de agressão, assim eliminando a distinção entre hostis e inimicus, entre o inimigo público e o inimigo privado. Guerras opostas a essa nova ordem jurídica se tornam guerras injustas, e o inimigo se torna um criminoso – um criminoso contra a humanidade. Kant, o autor de “Paz Perpétua”, já antecipava algo desses desenvolvimentos em seu confuso conceito de “inimigo injusto”.

IV. A Crítica de Kant


“Nenhuma guerra entre Estados independentes pode ser uma guerra punitiva (bellum punitivum)”, escreve Kant em sua obra tardia “Os Elementos Metafísicos da Justiça”, de 1797[22]. No estado de natureza, os Estados possuem um direito de ir à guerra bem como o direito de retaliar por ofensas feitas a eles (Kant, EMJ, §56, 116). Nessa condição, não há juiz para arbitrar entre Estados, nem há um superior em relação a eles[23], e precisamente por causa disso Kant conclui que:

“Tampouco, novamente, pode qualquer guerra ser uma guerra de extermínio (bellum internecinum) ou de subjugação (bellum subjugatorium), que seria a aniquilação moral de um Estado... O motivo pelo qual não pode haver uma guerra de subjugação... é a ideia de que o direito das nações envolve apenas o conceito de um antagonismo segundo princípios de liberdade exterior pelos quais cada um preserva aquilo que lhe pertence, mas não uma maneira de aquisição, pela qual o aumento do poder de um Estado poderia ameaçar os outros”. (Kant, EMJ, §57, 117)

Pode-se demandar “recursos e tributos de um inimigo derrotado”, mas não se pode “saquear seu povo”, nem “subjuga-lo”, ou “roubá-los de sua liberdade civil” (EMJ, 118). Tão grande é a tentativa de Kant de circunscrever a guerra segundo preceitos morais respeitosos da dignidade da pessoa e do status moral dos povos, que ele até proíbe os Estados de usarem seus súditos de maneira que poderia torna-los “inaptos à cidadania” uma vez que as hostilidades sejam concluídas (EMJ, 117). Isso inclui usar pessoas como espiões, assassinos, envenenadores, emboscadores e para espalhar rumores falsos. As guerras devem ser concluídas por tratados e prisioneiros devem ser trocados sem resgate. 

É claro que Kant está se esforçando para limitar tanto o direito de ir à guerra (jus ad bellum) e o direito na guerra (jus in bello) na medida do possível em acordo com o princípio de tratar seres humanos como fins e nunca como meios. Schmitt também elogia a “grandeza e humanidade de Kant” (Nomos, 142; 170), mas fica bastante intrigado com a virada que os argumentos de Kant dão no parágrafo 60 dos “Elementos Metafísicos da Justiça”, quando Kant introduz o conceito de um “inimigo injusto” [der ungerechte Feind] (EMJ, §60, 118). Enquanto a ideia de uma guerra não-punitiva entre Estados é, nos termos de Schmitt, “um conceito não-discriminatório de guerra”, com a introdução do conceito de um “inimigo injusto”, o pensamento de Kant ameaça regredir até ver a guerra como justa causa e o inimigo, “o hostis”, como criminoso. Mas quem é o “inimigo injusto”, contra o qual o direito daqueles que são “ameaçados por ele ou que se sentem ameaçados por ele não tem limites?”[24] (EMJ, §60, 118; Nomos, 141; 169).

A resposta de Kant é que este é “um inimigo cuja vontade publicamente expressa (seja por palavra ou ato) revela uma máxima pela qual, caso fosse tornada universal, tornaria impossível qualquer condição de paz entre as nações e em vez disso um estado de natureza seria perpetuado” (EMJ, §60, 119). Como exemplos dessa máxima, Kant cita apenas violações de contratos públicos, mas é claro que ele possui uma noção bem mais ampla do que isso poderia envolver. E essa é a fonte da ansiedade de Schmitt. Schmitt afirma confiantemente que “certamente não é o oponente que violou as regras da guerra e violou o direito a guerra perpetuando crimes e atrocidades”. [Eu devo acrescentar que não tenho certeza de como Schmitt chega a essa conclusão por uma leitura de Kant, mas não insistirei nisso aqui.] “Se a liberdade está ameaçada, então por quem, e quem vai decidir concretamente isso?” pergunta Schmitt. “Tudo isso permanece aberto... E soa como a velha doutrina da guerra justa...” (Nomos, 141; 169.

Como jurista, Schmitt está certo em se preocupar com a distinção entre palavra e ato e em questionar se palavras por si só bastam para tornar alguém um “inimigo injusto”. Seria a propaganda ideológica de um Estado supostamente contradizendo a ordem internacional estabelecida suficiente para declará-lo um “inimigo injusto”, por exemplo? Pensemos aqui no Irã contemporâneo. Não seria o princípio de Kant perigosamente abrangente e vago na medida em que parece eliminar as distinções entre guerras de palavras e guerras de atos?

Há uma maneira mais direta de introduzir algum conteúdo à definição de Kant e isso envolveria ler este princípio à luz do trabalho prévio de Kant sobre a “Paz Perpétua” em 1795. Um inimigo injusto poderia ser interpretado como alguém que rejeitaria os três princípios definitivos, ao invés dos provisórios. Esses são: “A Constituição Civil de Todo Estado deve ser Republicana”; “A Lei das Nações será fundada em uma Federação de Estados Livres”; e “A Lei da Cidadania Mundial deve estar Limitada a Condições de Hospitalidade Universal” (Kant [1795] 1923, 434-46; 1994, 99-108)[25]. Qualquer Estado que se recuse a entrar em uma “condição justa” com outros Estados, ao se recusar explicitamente a reconhecer esses princípios, permanece em um “estado de natureza”, ou seja, em um “estado de hostilidade”. Que há evidência textual para a minha leitura é confirmado por dois outros argumentos de Kant.

Primeiro, como a liberdade de todas as nações seria ameaçada por aqueles que negam esses princípios, outras nações podem travar guerra contra elas, mas não podem fazê-las desaparecer da terra já que isso seria “injustiça contra seu povo, que não pode perder seu direito original de se unir em uma comunidade, ainda que ela possa ser forçada a adotar uma nova constituição que por sua natureza seja desfavorável à inclinação pela guerra” (EMJ, §6-, 119). Um povo “pode ser forçado a adotar uma nova constituição”; em outras palavras, mudança de regime para fazer o inimigo injusto respeitar os princípios da paz perpétua é algo permissível. Schmitt não está errado, portanto, ao enxergar no texto de Kant os inícios de uma visão de uma ordem mundial liberal na qual a amplitude de regimes que seriam considerados legítimos é estreitada àqueles que respeitariam as leis das nações, definidas pelos princípios da paz perpétua. Mas essa resposta levanta novas dificuldades: Apenas as repúblicas seriam toleradas na nova ordem mundial, então? E quanto a impérios como o chinês, em relação ao qual Kant tem algumas palavras simpáticas em outros textos? Ou povos nômades que podem não querer ser subjugados por potências europeias e que Kant elogia em outros escritos? Quão abrangentes e intensivos são os princípios da “paz perpétua”? Questões permanecem[26].

Em segundo lugar, nos parágrafos após sua discussão do inimigo injusto, Kant retorna a sua ideia de uma “associação de Estados” (ein Völkerbund) que renunciaria ao estado de natureza prevalecente entre Estados, e assim também desistiria do direito unilateral de ir à guerra (EMJ, §60, 119). Como é sabido, Kant considera bastante difícil articular a forma política exata de tal associação; ele rejeita a ideia de um Estado-Mundial; e deseja defender os princípios de uma República Mundial e acaba em “uma associação de vários Estados para preservar a paz”, que pode então ser chamada de “um congresso permanente de Estados, com cada Estado vizinho livre para se unir” (ibid.). Pode ser então que o inimigo injusto seja aquele que se recuse a se unir a uma associação desse tipo; ou que queira sair após ter se unido, ou mesmo um grupo de Estados que forme uma associação rival baseada em princípios distintos, atrapalhando assim o desenvolvimento da sociedade global rumo a uma condição legal.

Eu penso que pelo menos duas leituras de Kant são possíveis sobre esses temas: em uma leitura, o inimigo injusto seria aquele que rejeita todos os três artigos definitivos da paz perpétua como um pacote; em uma segunda leitura, alguns Estados podem rejeitar algumas versões dos artigos 1, 2 e 3, mas podem aceitar alguma forma de lei das nações e uma “federação pacífica”[27]. Particularmente, nem todas as nações estão dispostas a adotar uma “constituição republicana”. Deveriam elas também ser consideradas inimigos injustos?

É difícil negar que na obscuridade dessas passagens nós encontramos alguns dos paradoxos de uma lei liberal das nações no sentido kantiano. Em primeiro lugar, as nações devem por vontade própria querer entrar em uma “federação pacífica”, isto é, no mínimo, elas devem estabelecer uma condição de coexistência legal uma com a outra de modo que conflitos possam ser adjudicados e a opção da guerra esteja severamente limitada – mesmo que não completamente eliminada. Schmitt, diferentemente de Kant, duvida que possa algum dia haver tal condição de legalidade entre nações, baseada na autoridade de um juiz “neutro”. Para ele, o político governa as ações humanas de forma total. Assim, ao invés de tentar eliminar a guerra entre as nações ou sujeita-la ao julgamento de instâncias aparentemente neutras, Schmitt recomenda que se aceite a inevitabilidade da guerra entre Estados soberanos e que o inimigo seja tratado não criminoso, mas como oponente digno. Para Schmitt, as guerras entre Estados são mais como duelos do que como guerras. Mas Kant é mais radical aqui: ele vê as guerras não como duelos, mas como causando mais dano sobre as pessoas ordinárias que, a não ser que vivam em uma república, não são capazes nem de resistir a servir no exército nem de resistir a perder a vida pela glória dos soberanos.

Ainda que muitas dessas coisas possam soar arcanas aos nossos ouvidos, e muitas nuances históricas possam nos escapar[28], devemos notar que Schmitt não poupa palavras e vê Kant como o iniciador de mudanças doutrinárias que eventualmente solaparão o conceito não-discriminatório de guerra. “Mas, tão obviamente, foi possível para Kant”, ele diz, “tal como foi anteriormente para os teólogos, usar uma ética filosófica para negar o conceito de um justus hostis, e ao introduzir a guerra discriminatória destruir a obra dos juristas do jus publicum europaeum” (Nomos, 143; 171). Essas mudanças levarão à criminalização das guerras de agressão através do Pacto Kellog-Briand de 1928 e a extensão do direito internacional para incluir não apenas “o crime de guerra”, mas também a categoria dos “crimes contra a humanidade”. Já nas injunções de Kant contra usar seres humanos como espiões, emboscadores e propagandistas, algum senso de dignidade humana que coloca limites no que pode ser feito com seres humanos e a seres humanos na guerra já está evidente. 

Ainda que todas as suas críticas a Kant sejam consistentes com a afirmação de Schmitt de que o político é o “mais intenso tipo de conflito humano” e que, portanto, ele não pode ser tornado subserviente aos domínios jurídico, religioso, moral ou estético, há também uma dimensão de amargura pessoal que acompanha muitas de suas afirmações. Schmitt vê os tribunais de Nuremberg e Tóquio como um tipo de Siegerjustiz, justiça do vencedor, e um improviso ilegítimo – “Nullum crimen, nulla poena sine lege” (Não há crime nem pena sem lei) é seu julgamento. Ou, como ele coloca mais causticamente em relação ao Holocausto: “Foi ele um ‘crime contra a humanidade’? Existe tal coisa como um crime contra o amor?”[29]; e ainda, “Genocídio – o extermínio de povos – um conceito tocante; eu mesmo experimentei um exemplo disso: o extermínio do serviço civil germano-prussiano em 1945”. Finalmente: “Existem crimes contra a humanidade e crimes pela humanidade. Crimes contra a humanidade são cometidos pelos alemães. Crimes pela humanidade são perpetrados sobre os alemães”. 

Schmitt não é apenas o teórico da política agonística e contenciosa, mas o teórico dos direitos dos Estados a conduzirem guerra pela própria preservação, bem como o teórico que rejeita conceitos como direitos humanos e crimes contra a humanidade como sendo maquiagens moralistas para a política das superpotências[30].

Em “A Ideia de Paz Perpétua de Kant: Duzentos Anos Depois”, Jürgen Habermas discute a crítica schmittiana a Kant. “A política de uma organização mundial”, escreve Habermas, “que toma sua inspiração da ideia kantiana da paz perpétua e é dirigida para a criação de uma ordem cosmopolita, se apoia na mesma lógica, segundo Schmitt: seu pan-intervencionismo inevitavelmente levaria à pan-criminalização, e assim à perversão do objetivo que supostamente deveria servir”[31]. Particularmente, Habermas disputa a afirmação de Schmitt de que “a política dos direitos humanos leva a guerras que sob o disfarce de ações policiais assumem um caráter moral; e em segundo lugar, que essa moralização categoriza oponentes como inimigos, e a criminalização resultante dá, pela primeira vez, liberdade à desumanidade” (Habermas, IPPK, 188-89).

Indubitavelmente, as últimas duas décadas desde o fim da Guerra Fria e da Queda do Muro de Berlim em 1989 foram algumas das mais confusas no que concerne alianças internacionais e política mundial, e parceiros estranhos foram criados no processo. Nós ainda ouvimos ecos dessa crítica schmittiana de que a primeira Guerra do Golfo, a intervenção da OTAN no Kosovo, e as guerras do Afeganistão e do Iraque conduzidas pelos EUA foram instâncias de “moralização da guerra”, que declarou inimigos como criminosos[32]. Certamente, os schmittianos de esquerda contemporâneos que veem cada conflito como uma tentativa de império global por um único hegemon estão em uma situação mais fácil do que nós outros enquanto intelectuais e cidadãos públicos, cujas intuições morais e juízos políticos sobre essas questões tem usualmente sido confusos e conflituosos, mas não por falta de pensamento claro ou informações. Como Hannah Arendt observou em um contexto diferente, é a marca do pensamento ideológico “ter uma chave para destrancar” todo mistério[33]; na ausência de uma chave desse tipo, nós temos que aprender a arte de fazer distinções difíceis, tal como talvez “sim” para a ação original dos EUA contra o Taliban, mas “não” para a Segunda Guerra do Iraque; talvez “sim” para Kosovo, mesmo na ausência de um voto do Conselho de Segurança da ONU; talvez “não” para a Líbia mesmo com uma resolução do Conselho de Segurança, etc. Fazer esses julgamentos é o “fardo de nossos tempos”.

Concluindo, eu quero explorar novas maneiras de pensar sobre o direito internacional e normas cosmopolitas de direitos humanos que refutem as preocupações de alguns à esquerda de que o direito internacional gera uma “Geistes Bastille” – uma prisão intelectual ou espiritual. Há muitas dimensões na discussão schmittiana sobre soberania externa e direito internacional, mas eu quero me concentrar em uma específica. Seriam os tratados de direitos humanos que limitam a soberania no período do pós-Segunda Guerra imposições moralistas sobre a vontade dos povos democráticos? Como podemos conceptualizar a relação entre normas internacionais de direitos humanos e soberania democrática? Há um debate importante entre pensadores liberais e democráticos sobre essas questões e o pensamento de Schmitt é de pouca valia para nos ajudar a pensar nossos dilemas contemporâneos.

Variedades de Soberanismo


Um dos desenvolvimentos mais importantes no direito internacional no período do pós-Segunda Guerra é, além da criminalização das guerras de agressão, as limitações normativas impostas sobre a soberania estatal através da difusão de normas de direitos humanos. Eu me referirei aos muitos tratados que foram concluídos desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 como “tratados cosmopolitas de direitos humanos”[34]. Esses tratados confirmam o status dos seres humanos como portadores de direitos não em virtude de sua cidadania nacional, mas em virtude de sua personalidade humana, ainda que tais direitos só possam ser significativamente exercidos no contexto de comunidades específicas. É correto ver nesses desenvolvimentos o florescimento de certos princípios normativos forçosamente articulados por Kant.

Schmitt é tão cínico sobre as limitações impostas à soberania interna quanto sobre as limitações impostas à soberania externa. Ao não distinguir entre normas de direitos humanos que limitam a soberania interna, doméstica e normas que proíbem guerras de agressão, limitando a soberania externa, pensadores progressistas que querem usar o pensamento de Schmitt para criticar as hipocrisias da atual ordem internacional correm o risco de jogar o bebê fora com a água de banho. Concluindo, eu quero argumentar brevemente que o modelo de uma imposição hegemônica de normas cosmopolitas a entidades políticas autodeterminantes não contempla devidamente o mundo contemporâneo de tratados e Estados institucionalmente, bem como normativamente.

As objeções normativas levantadas por soberanistas contra desenvolvimentos jurídicos recentes podem ser separadas em variantes nacionalistas e democráticas. A variante nacionalista traça a legitimidade da lei à autodeterminação de uma nação distinta e claramente demarcada cuja lei expressa e vincula apenas a sua vontade coletiva[35]. A variante democrática diz que leis não podem ser consideradas legítimas a não ser que um povo autodeterminante possa ver a si mesmo simultaneamente como autor e sujeito de suas leis. Para o soberanista democrático não é o mais importante que a lei expresse a vontade de uma nação, de um ethnos, mas que haja procedimentos públicos claros e reconhecidos para como as leis são formuladas e em cujo nome elas são promulgadas e até onde se estende a sua jurisdição em nome de um demos.

O argumento soberanista democrático tem muitos adeptos, entre eles Thomas Nagel, Quentin Skinner, Michael Walzer e Michael Sandel[36]. Uma maneira de introduzir um pouco de clareza ao debate entre cosmopolitas e soberanistas é focar em uma família de normas globais que desfrutam de amplo apoio. Essas seriam as normas internacionais de direitos humanos, que se originam com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Um soberanista democrático como Thomas Nagel e um cosmopolita como Habermas concordam os dois que – pace Schmitt – além do direito internacional em relação às proibições e condução de guerra entre Estados, os direitos humanos constituem as bases do sistema internacional do pós-Segunda Guerra[37]. A difusão do direito internacional não precisa assumir a forma de um contrato social para a formação de um Estado Mundial que transcenda a autonomia política dos Estados existentes[38]. Em vez disso, como diz Habermas, “Hoje qualquer conceptualização de uma juridificação da política mundial deve tomar como ponto de partida indivíduos e Estados como as duas categorias de sujeitos fundantes de uma constituição mundial” (ibid., 449). Então a questão não é se é possível chegar a um mundo sem Estados em competição, mas se há modos de mediar as normas internacionais com normas nacional-democráticas que não envolvam subordinar o nacional ao supranacional e protejam a pluralidade legítima na interpretação, adjudicação e aplicação das normas de direitos humanos. 

Eu gostaria de distinguir entre três modelos diferentes, mas que se apoiam mutuamente, que tentam conceptualizar essa mediação entre normas cosmopolitas de direitos humanos e processos democráticos de formação de opinião e de vontade. Tal mediação pode se dar através de processos jusgenerativos de “iterações democráticas” que interpretam e contextualizam o nacional à luz do cosmopolita, dando a ambos conjuntos de normas contextos hermenêuticos novos e inesperados. Uma segunda forma de mediação envolve o impacto institucional de pactos internacionais de direitos humanos em Estados que aderem a eles; e uma terceira forma concerne o impacto de tais tratados sobre cortes e julgamentos. Meu argumento é que muitos críticos de esquerda do cosmopolitismo ignoram o funcionamento concreto do sistema de direito internacional e veem essa nova ordem jurídica como se ela fosse uma “estrutura de comando”, o que ela não é. O desafio hoje é desenvolver um modelo institucional, normativo e conceitual para articular o universo desse novo direito das nações[39].

Mediação Jusgenerativa das Normas Internacionais e Soberania Democrática


Por jusgeneratividade, um termo originalmente sugerido por Robert Cover[40], eu entendo a capacidade do direito de criar um universo normativo de significado que pode, muitas vezes, escapar à “procedência da legislação formal”[41]. As leis adquirem sentido sendo interpretadas dentro do contexto de significações que elas próprias não podem controlar. Não pode haver regras sem interpretações; as regras só podem ser seguidas na medida em que são interpretadas[42]. Mas também não há regras que possam controlar as variedades de interpretação às quais elas podem estar sujeitas dentro de todos os distintos contextos hermenêuticos. A normatividade da lei não consiste em seus fundamentos de validade formal, isto é, de sua legalidade apenas, ainda que isso seja crucial. A lei também pode estruturar um universo normativo extra-jurídico desenvolvendo novos vocabulários para reivindicações públicas, encorajando novas formas de subjetividade a lidar com a esfera pública e interjeitando relações existentes de poder com antecipações da justiça por vir. A lei antecipa formas de justiça a vir no futuro. A lei não é simplesmente um instrumento de dominação e um método de coerção; “a força da lei” (para usar uma frase de Jacques Derrida)[43] envolve antecipações da justiça por vir que ela nunca pode realizar, mas para a qual está sempre apontando. 

Soberanistas democráticos ignoram que normas internacionais de direitos humanos podem empoderar cidadãos em democracias ao criarem novos vocabulários para reivindicações, bem como abrindo novos canais de mobilização para agentes da sociedade civil que, então, se tornam parte de redes transnacionais de ativismo e resistência hegemônica[44]. Normas de direitos humanos exigem interpretação e vernacularização; elas não podem ser simplesmente impostas por elites jurídicas e juízes sobre povos recalcitrantes; em vez disso, elas devem se tornar elementos na cultura pública de povos democráticos, através de seus próprios processos de interpretação, articulação e participação.

Tal contextualização, além de estar sujeita a várias tradições jurídicas em diferentes países, alcança legitimidade democrática na medida em que é efetivada através da interação de instituições políticas e jurídicas dentro de espaços públicos livros na sociedade civil. Quando tais princípios são apropriados pelas pessoas como seus, eles perdem o paroquialismo, bem como a suspeita de paternalismo ocidental usualmente associado com eles. Eu chamo esses processos de apropriação de “iterações democráticas”[45].

Mediação Institucionalista de Normas Internacionais


Uma abordagem mais empírica e institucional para analisar o impacto de normas de direitos humanos sobre Estados signatários foi fornecida por Beth Simmons. Em sua relevante obra, Simmons observa estudos empíricos para analisar o impacto das ratificações de vários tratados de direitos humanos sobre a adesão doméstica a normas de direitos humanos por Estados. Simmons observa que “os casos mais interessantes...são aqueles em que governos ratificam um acordo internacional de direitos humanos, mas não se movimentam para implementá-lo. Por que deveria um tratado ratificado fazer diferença nesses casos?”[46] Um motivo pode ser que já que tratados constituem lei em algumas jurisdições, eles fortalecem a luta por direitos civis. Mas é mais desafiador quando tratados ratificados permitem a mobilização dos cidadãos. Simmons foca em Estados “não-democráticos” para argumentar que “a ratificação injeta um novo modelo de direitos no discurso doméstico, potencialmente alterando expectativas de grupos domésticos e encorajando-os a se imaginarem dignos de formas de respeito oficial” (Simmons, 445). Simmons apresenta uma análise do impacto do ICCPR sobre as liberdades civis e religiosas em vários países. “Esses resultados sugerem”, ela escreve, “uma conclusão modesta, mas importante: os compromissos de tratados internacionais muito provavelmente têm dado uma contribuição positiva para as práticas dos direitos civis em muitos países ao redor do mundo” (Simmons, 480).

Modelos Adjudicativos de Mediação de Normas Internacionais


Uma outra abordagem é desenvolvida pelo trabalho de Alec Stone Sweet sobre a emergência de uma ordem cosmopolita através da interação de legislação e adjudicação entre a Corte Europeia de Direitos Humanos, a Corte Europeia de Justiça e as cortes nacionais dentro da esfera jurídica cada vez maior da União Europeia. Stone Sweet escreve:

“Uma ordem jurídica cosmopolita é um sistema jurídico transnacional no qual todos os funcionários públicos têm a obrigação de realizar os direitos fundamentais de cada pessoa dentro de sua jurisdição, irrespectivamente de nacionalidade ou cidadania. Na Europa, uma ordem jurídica cosmopolita emergiu com a incorporação da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos na legislação nacional. O sistema é governado por uma soberania descentralizada: uma comunidade de tribunais cujas atividades são coordenadas através das decisões da Corte Europeia de Direitos Humanos”.[47]

Normas de direitos humanos assumem carne e sangue através de iterações democráticas, bem como através de incorporação institucional por meio das obrigações pactuadas dos Estados para com a sociedade civil, e também através da interação de adjudicação e legislação. Os medos dos soberanistas democráticos de que as normas cosmopolitas de direitos humanos devem sobrepujar a legislação democrática são infundados, porque a própria interpretação e implementação das normas de direitos humanos são radicalmente dependentes da formação de vontade democrática da demos, o que, obviamente, não quer dizer que não haja conflitos de interpretação ou implementação. 

Conclusão


Nós entramos em uma nova fase no desenvolvimento da sociedade civil global na qual o relacionamento entre soberania estatal e vários regimes de direitos humanos gera perigos de aumento do intervencionismo, mas também paradoxalmente cria espaços para formas de iteração democrática entre fronteiras. São as perplexidades dessa nova paisagem jurídica e política que enviam muitos críticos à esquerda e à direita à obra de Carl Schmitt. Mas a obra de Schmitt, por mais historicamente rica e conceitualmente desafiadora que possa ser, não é facilmente separada de suas conexões ideológicas em seu próprio envolvimento político com o regime nazista. Schmitt tampouco estava errado ao ver na doutrina kantiana do “inimigo injusto” certas ambiguidades e obscuridades que poderiam levar a um regime coercitivo de cosmopolitismo liberal. Ainda assim, a evolução das normas de direitos humanos no período pós-Segunda Guerra dá início a uma nova fase de direito internacional, que não pode ser interpretada como um regime coercitivo de intenções hegemônicas neoliberais. Críticos que o fazem deixam de entender a estrutura de mediações entre direito internacional e soberania democrática que são criadas por esses desenvolvimentos. Em conclusão, eu sugeri brevemente três abordagens complementares para entender essas mediações. Certamente, as hipocrisias das superpotências ao defenderem ou violarem normas sobre guerras de agressão não podem ser impedidas apenas pela difusão de normas de direitos humanos, mas ao distinguirem entre esses dois aspectos da ordem jurídica internacional, os cidadãos se tornam mais empoderados para criticar os seus próprios governos. O legado de Carl Schmitt, em contraste, desempodera os cidadãos ao dar ao Estado o monopólio da interpretação sobre os seus próprios interesses estratégicos de sobrevivência no multiversum de Estados. 

Notas


[1] - Carl Schmitt, Political Theology: Four Chapters on the Concept of Sovereignty, trad, com introdução de George Schwab (Chicago: University of Chicago Press, 1985).
[2] - Carl Schmitt, The Concept of the Political, trad, e com introdução de George Schwab, edição expandida com Leo Strauss's Notes on Schmitt's Essay (Chicago: University of Chicago Press, 1996);
Carl Schmitt, Crisis of Parliamentary Democracy, trad, e com introdução de Ellen Kennedy (Cambridge, MA: MIT Press, 1988).
[3] - Otto Kirchheimer, "Remarks on Carl Schmitt's Legality and Legitimacy," em The Rule of Law under Siege: Selected Essays of Franz L. Neumann and Otto Kirchheimer, ed. William Scheuerman (Berkeley: University of California Press, 1996), 64-98. Sobre a influência de Carl Schmitt sobre Walter Benjamin que quis dedicar sua dissertação doutoral sobre o drama barroco alemão a Schmitt, ver Richard Wolin, "Between Proust and Zohar: Walter Benjamin's Arcades Project," em The Frankfurt School Revisited and other Essays on Politics and Society (London: Routledge, 2006), 21-45. Sobre Hans Morgenthau e Carl Schmitt, ver Martti Koskenniemi, The Gentle Civilizer of Nations: The Rise and Fall of International Law 1870-1960 (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2002), 413-40; William Scheuerman, "Carl Schmitt and Hans Morgenthau: Realism and Beyond," em Realism Reconsidered: The Legacy of Hans. J. Morgenthau in International Relations, ed. Michael C. Williams (Oxford: Oxford University Press, 2007), 62-92; sobre Leo Strauss e Carl Schmitt, ver Leo Strauss, "Notes on Carl Schmitt, The Concept of the Political," em Schmitt, TCP, 81-109, e Heinrich Meier, Carl Schmitt, Leo Strauss und "Der Begriff des Politischen" (Stuttgart: J. B. Metzler Verlag, 1998); Chantal Mouffe, The Challenge of Carl Schmitt (London: Verso, 1999);
Chantal Mouffe and Ernesto Laclau, Hegemony and Social Strategy: Towards a Radical Democratic Politics (London: Verso, 1986; 2nd ed., 2001).
[4] - Carl Schmitts Verfassungslehre (Berlin: Duncker & Humblot, 1928) em: J. Seitzer, Constitutional Theory (Durham: Duke University Press, 2008); e a seção especial "Carl Schmitt's Constitutional Theory," Constellations 18, no. 3 (September 2011).
[5] - Cf. o volunte recente, Spatiality, Sovereignty and Carl Schmitt. Geographies of the Nomos, ed. Stephen Legg (London: Routledge, 2011).
[6] - William Rasch, "A Just War or Just a War?: Schmitt, Habermas and the Cosmo- politan Orthodoxy," Cardozo Law Review 21 (1999-2000): 1665-84, here, 1683.
[7] - A Rezeptionsgeschichte do ressurgimento de Schmitt dos dois lados do Atlântico seria um livro em si mesmo, mas ela parece ter começado com os esquerdistas italianos nos anos 70, que no auge da violência das Brigadas Vermelhas, estavam insatisfeitos com a ausência de uma teoria do Estado e da violência no marxismo. Esse interesse, então, saltou para os Estados Unidos, e principalmente para o periódico Telos, que começou a publicar artigos e traduções de Gary Ulmen e Joseph Bendersky - o resto, como dizem, é história. Ver Paul Piccone and Gary Ulmen, "Introduction to Carl Schmitt," Telos 72 (Summer 1987); este foi precedido por um controverso artigo por Ellen Kennedy, "Carl Schmitt and the Frankfurt School," Telos 71 (Spring 1987): 37-66, com respostas de Martin Jay, Alfons Sollner, and Ulrich Preuss. Tracy B. Strong fornece um panorama equilibrado em "Foreword: Dimensions of the New Debate Around Carl Schmitt," in TCP, ix-xxix. Nos 20 e poucos anos desde a publicação desse material na Telos, a literatura anglófona dedicada a Schmitt, nas palavras de Richard Berstein, "se transformou em um tsunami virtual". Richard J. Bernstein, "The Aporias of Carl Schmitt," Constellations 18, no. 3 (September 2011): 403-31.
[8] - Carl Schmitt, Der Nomos der Erde im Völkerrecht des Jus Publicum Europaeum, 4th ed. (Berlin: Duncker & Humblot, 1997), 99; The Nomos of the Earth in the International Law of the Jus Publicum Europaeum, trans. G. L. Ulmen (New York: Telos, 2003), 128-29. Todas as referências no texto a esse volume são citadas como Nomos, e seguidas primeiro pelos números das páginas da edição alemã, e então da edição inglesa. Eu consultei, mas não usei sempre a tradução em inglês.
[9] - Ver Carl Schmitt, "Völkerrechtliche Großraumordnung mit Interventionsverbot fur raumfremde Mächte," traduzido como "The Großraum Order of International Law with a Ban on Intervention for Spatially Foreign Powers: A Contribution to the Concept of Reich in International Law (1939-1941)" em Carl Schmitt, Writings on War, trad, e ed. Timothy Nunan (Cambridge, UK: Polity Press, 2011), 75-125. É impossível reproduzir as associações alemães de conceitos como Grossraum e raumfremde Mächte de maneira precisa em inglês. O conceito de "Raum" não significa simplesmente "espaço" para Schmitt; ele está ligado a "Ort" (lugar) e "Nomos". Ver notas 12 e 13 abaixo. Ver Benno Teschke, "Decisions and Indecisions: Political and Intellectual Receptions of Carl Schmitt," New Left Review 67 (January-February 2011): 61-95, sobre esse período nos escritos de Schmitt, particularmente 65ff.
[10] - Gerhard Nebel, Griechischer Ursprung, vol. I, Platon und die Polis (Wuppertal: Marees Verlag, 1948), 22 and 39, como citado por G. L. Ulmen, "Translator's Introduction," in Schmitt, Nomos, 20. As implicações desse conceito para o contraste de Schmitt entre os entendimentos germânico e semítico do direito são amplas demais para se traçar aqui. Os judeus eram o povo que acreditava na lei sem uma orientação ou ligação à terra, já que estavam em diáspora e não tinham pedaço de chão para chamar de seu. Ver Raphael Gross, Carl Schmitt und die Juden (Frankfurt: Suhrkamp, 2000), 60-142.
[11] - Dan Diner and Michael Stolleis, eds., Hans Kelsen and Carl Schmitt: A Juxtaposition (Gerlingen: Bleicher, 1999).
[12] - Raphael Gross, "Jewish Law and Christian Grace—Carl Schmitt's Critique of Kelsen," em Diner and Stolleis, Hans Kelsen and Carl Schmitt , 101-13, aqui 106. Cf. Wilhelm Stapel, Sechs Kapitel über Christentum und Nationalsozialis- mus (Hamburg: Hanseatische Verlagsanstalt, 1931),
Gross, 112 fn. 2. Schmitt cita Stapel positivamente em suas tentativas de traduzir nomos como "Lebensgesetz" (a lei da vida) mas observa: "Me perturba que a palavra 'vida' que degenerou (entartet) em biologismo, bem como a palavra 'lei' (Gesetz), que em todas as circunstâncias precisa ser evitada aqui, ainda são preservadas nessa tradução" (Nomos, 39; 70). Inexplicavelmente, a tradução anglófona transforma essa passagem em uma nota de rodapé que não está ali na versão alemã (70 fn. 10).
[13] - Schmitt: "Não obstante, diferentemente da palavra grega nomos, a palavra alemã Gesetz não é uma Urwort [palavra primordial]. Ela está profundamente enredada nas distinções teológicas entre lei (judaica) e graça (cristã) — a lei (judaica) e o evangelho (cristão)" (Nomos, 39; 70 fn).
[14] - Stephen D. Krasner, Sovereignty: Organized Hypocrisy (Princeton, NJ: Princ- eton University Press, 1999).
[15] - Para um relato exemplar, que é também uma crítica consistente de Schmitt, ver Koskenniemi, The Gentle Civilizer of Nations, 98-179.
[16] - Para explorações mais profundas desse tema, ver S. Benhabib, "Twilight of Sovereignty or the Emergence of Cosmopolitan Norms: Rethinking Citizenship in Volatile Times," Citizenship Studies 11, no. 1 (February 2007): 19-36; agora em Seyla Benhabib, Dignity in Adversity: Human Rights in Troubled Times (Cambridge, UK: Polity, 2011), 94-117.
[17] - Essa estranha afinidade entre a teoria e a prática do excepcionalismo americano e o pensamento político de Schmitt é bem explorado por Paul Kahn in Political Theology: Four New Chapters on the Concept of Sovereignty (New York: Columbia University Press, 2011). Mas a metodologia de Khan obscurece a política de Schmitt e amputa algumas de suas teses mais polêmicas. Ver abaixo, nota 30.
[18] - Ver W. Scheuerman, "Carl Schmitt and the Nazis," German Politics and Society 23 (summer 1991): 71-79; e W. Scheuerman, Carl Schmitt: The End of Law (Lanham: Rowman & Littlefield, 1999); R. Mehring, Carl Schmitt: Aufstieg und Fall (Munich: C.H. Beck, 2009).
[19] - Para inconsistências no próprio uso de Schmitt, ver Der Begriff des Politischen, Text von 1932 mit einem Vorwort und drei Corollarien, 7th ed. (Berlin: Duncker & Humblot, [1932] 2002);
TCP, 26-27; 28; 33; 36.
[20] - Karl Löwith, "The Occasional Decisionism of Carl Schmitt," in Martin Hei- degger and European Nihilism, ed. Richard Wolin, trans. Gary Steiner (New York: Columbia University Press, 1995), 151.
[21] - Cf. Uday Mehta, Liberalism and Empire: A Study in Nineteenth-Century British Liberal Thought (Chicago: University of Chicago Press, 1999); Sankhar Muhtu, Enlightenment against Empire (Princeton: Princeton University Press, 2003); Karuna Mantena, Alibis of Empire: Henry Maine and the Ends of Liberal Imperialism (Princeton: Princeton University Press, 2010); Bhikhu Parekh, Rethinking Multiculturalism: Cultural Diversity and Political Theory (Cambridge, MA: Harvard University Press, 2002); Richard Tuck, The Rights of War and Peace: Political Thought and the International Order from Grotius to Kant (Oxford: Oxford University Press, 1999); James Tully, A Discourse on Property: John Locke and His Adversaries (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1983), James Tully, Public Philosophy in a New Key, Vol. 2, Imperialism and Civic Freedom (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2008); Anthony Pagden, ed., The Languages of Political Theory in Early-Modern Europe: Ideas in Context (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1987); A. Pagden, Lords of All the World: Ideologies of Empire in Spain, Britain and France c.1500- C.1800 (New Haven, CT: Yale University Press, 1998).
[22] - Immanuel Kant, "Die Metaphysik der Sitten in zwei Teilen," In Immanuel Kants Werke, ed. A. Buchenau, E. Cassirer, and B. Kellermann (Berlin: Verlag Bruno Cassirer, [1797] 1922); Tradução ao inglês, The Metaphysics of Morals, trans, and edit. Mary Gregor, Cambridge Texts in the History of Political Thought (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1996). Essa edição é citada no texto como Kant, MEJ, seguido pelo parágrafo, e então o número da página.
[23] - Que Kant está surpreendentemente próximo de Hobbes em algumas das suas formulações sobre o "estado de natureza" foi enfatizado por Richard Tuck in The Rights of War and Peace. Political Thought and the International Order from Grotius to Kant (New York: Oxford University Press, 2001), 207-9.
[24] - Cf. a discussão de Hauke Brunkhors sobre Kant e Schmitt, "The Right to War: Hegemonial Geopolitics or Civic Constitutionalism," Constellations 11, no. 4 (2004): 512-25; bem como Wolfram Malte Fuss, "The Foe: The Radical Evil, Political Theology in Immanuel Kant and Carl Schmitt," Philosophical Forum (2010): 181-204.
[25] - Eu consultei várias traduções do ensaio "A Paz Perpétua" de Kant para o inglês, emendando o texto quando necessário. Ver Immanuel Kant, "Zum Ewigen Frieden. Ein philosophischer Entwurf," em Immanuel Kants Werke, ed. A. Buchenau, E. Cassirer, and B. Kellermann (Berlin: Verlag Bruno Cassirer, [1795] 1923); Tradução ao inglês: H. B. Nisbet, trans., "Perpetual Peace: A Philosophical Sketch," em Kant: Political Writings, ed. Hans Reiss, Cambridge Texts in the History of Political Thought, 2nd and enlarged ed. (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1994). A primeira data e o primeiro número de página se referem ao texto em alemão e os segundos às edições em inglês.
[26] - Aqui a doutrina kantiana das relações entre Estados leva à sua teoria do direito cosmopolita, que Kant tornou o Terceiro Artigo Definitivo da "Paz Perpétua": "O Direito Cosmopolita estará limitado às Condições de Hospitalidade Universal" (Kant 1795 [1923], 443; 1994, 105). Há bastante debate sobre quão amplamente devemos interpretar o cosmopolitismo de Kant: será que Kant, de fato, esperava que o mundo inteiro eventualmente convergiria ao redor dos princípios de uma "constituição republicana"? Como isso deveria se distinguir de um "Estado Mundial" que ele criticava duramente como uma forma de "despotismo desalmado", etc.? Tuck está entre aqueles que tendem a um entendimento minimalista da doutrina kantiana do direito cosmopolita. Cf. Tuck, The Rights of War and Peace, 220ff. Cf. S. Benhabib, "Introduction: Cosmopolitanism without Illusions," em Dignity in Adversity: Human Rights in Troubled Times, 1-20.
[27] - Cf., a coleção, Perpetual Peace: Essays on Kant's Cosmopolitan Ideal, ed. James Bohman and Matthias Lutz-Bachmann (Cambridge, MA: MIT Press, 1997).
[28] - Para um relato detalhado e esclarecedor que também revisa algumas das razões para o ressurgimento do interesse nesse aspecto do pensamento de Kant, ver Martin Frank, "Kant und der ungerechte Feind," Deutsche Zeitschrift für Philosophie 59, no. 2 (2011): 199-219.
[29] - Carl Schmitt, Glossarium: Aufzeichnungen der Jahre 1947-1951 (Berlin: Duncker & Humblot, 1991). A primeira citação é do 113, datada de 12 de março de 1948; a segunda é do 265, datada de 21 de agoto de 1949; e o último é do 282, datada de 6 de dezembro de 1949.
[30] - Interpretações de Schmitt deram origem a uma "batalha de leituras" no pensamento contemporâneo. Paul Kahn escreve de sua abordagem: "Minha abordagem, então, é me debruçar sobre os textos de Schmitt em um esforço de descobrir o fenômeno do político. Esse trabalho não é nem uma exegese textual, nem uma história intelectual. Eu não pressuponho familiaridade com o texto de Schmitt e nenhuma com sua situação histórica" (Kahn, Political Theology, 29).
TCP, 30ff. Eu discordo. Esse tipo de leitura "ingênua", sem preconceitos, pode levar a distorções e não nos ajuda a compreender as "palavras de combate" de Schmitt, e contradiz a própria metodologia schmittiana de formação de conceitos. Schmitt escreve: "Palavras como Estado, república, sociedade, classe, e também: soberania, Estado constitucional, absolutismo, ditadura, planejamento, Estado neutro ou total, etc., são ininteligíveis se não se conhecer in concreto quem se deve confrontar, combater, negar e refutar com essas palavras..." TCP, 30ff. Cf. também Löwith, "The Occasional Decisionism of Carl Schmitt," 280-81, fn. 76. O tratamento razoavelmente descontextualizado que Chantal Mouffe dá a Carl Schmitt teve o propósito de "recortar" algumas das dimensões mais problemáticas de seu pensamento, e apresentá-lo como teórico da política "agônica". Cf. Chantal Mouffe, ed., The Challenge of Carl Schmitt (London: Verso, 1999); C. Mouffe, "Carl Schmitt and the Paradox of Liberal Democracy," Canadian Journal of Law and Jurisprudence 10, no. 1 (1997): 21-33.
[31] - Jürgen Habermas, "Kant's Idea of Perpetual Peace: At Two Hundred Years' Historical Remove," em The Inclusion of the Other: Studies in Political Theory, trans. Ciaran Cronin and Pablo de Greiff (Cambridge, MA: MIT Press, 2001), 165-203; aqui 188. Mencionado no texto como Habermas, KIPP, seguido pelas páginas. Para uma leitura da conexão Habermas-Schmitt que revela algumas "afinidades", ver Reinhard Mehring, "Der 'Nomos' nach 1945 bei Carl Schmitt und Jürgen Habermas," http://www.forhistiur.de/zitat/0603mehring.tm (March 31,2006).
[32] - Perry Anderson, "Arms and Rights: Rawls, Habermas and Bobbio in an Age of War," New Left Review 31 (January-February 2005): 5-40.
[33] - Esse é um tema que é prevalente em muito da obra de Hannah Arendt; cf. The Origins of Totalitarianism (New York: Harcourt, Brace and Jovanovich, 1979); primeiro publicado como The Burden of Our Time (London: Seeker & Warburg, 1951). Sobre julgamento, propaganda e entendimento, ver "Understanding and Politics (The Difficulties of Understanding)," em Arendt. Essays in Understanding 1930-1945, ed. Jerome Kohn (New York: Harcourt, Brace and Co., 1994), 307-28, aqui 313.
[34] - Benhabib, "Introduction: Cosmopolitanism without Illusions," em Dignity in Adversity, 1-20.
[35] - Cf. a seguinte afirmação de John Bolton: "Enquanto o termo 'soberania' adquiriu muitas definições, às vezes inconsistentes, os americanos o tem compreendido como significando nosso direito coletivo de governarmos a nós mesmos dentro de nossa estrutura constitucional". E "'Compartilhar... reduzirá o poder soberano do povo americano sobre seu governo e suas próprias vidas, para cujo fim a Constituição foi escrita". "The Coming War on Sovereignty," Commentary 127, no. 3 (March 2009), http://www.commentarymagazine.com/ the-coming-war-on-sovereignty (accessed March 25, 2009). Bolton serviu brevemente e controversamente como Representante Permanente dos EUA na ONU em 2005-2006.
[36] - Thomas Nagel, "The Problem of Global Justice," Philosophy and Public Affairs 33 (2005): 113-47; Quentin Skinner, Liberty before Liberalism (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2008 [1998]); Michael Walzer, Spheres of Justice: A Defense of Pluralism and Equality (New York: Basic Books, 1983); Michael J. Sandel, Democracy's Discontent: America in Search of a Public Philosophy (Cambridge, MA: Belknap Press of Harvard University Press, 1996).
[37] - Nagel, "The Problem of Global Justice," 114. Ver os comentários de Habermas sobre o artigo de Nagel: "The Constitutionalization of International Law and the Legitimacy Problems of a Constitution for a World Society," Constellations 15, no. 4 (December 2008): 444-55; sobre direitos humanos, see 445 and 447. Eu lidei com essa questão mais detidamente em Benhabib, "Claiming Rights across Borders: International Human Rights and Democratic Sovereignty," American Political Science Review 103, no. 4 (November 2009): 691-704.
[38] - Habermas, "The Constitutionalization of International Law," ibid. 448-49.
[39] - Ver mais recentemente, Jeremy Waldron, "Partly Laws Common to All Mankind": Foreign Law in American Courts (New Haven, CT: Yale University Press, 2012).
[40] - Ver Robert Cover, "Foreword: Nomos and Narrative," The Supreme Court 1982 Term, Harvard Law Review 97, no. 4 (1983/84): 4-68. Um pouco desse material é tomado de Benhabib, "Claiming Rights across Borders".
[41] - Cover, "Foreword: Nomos and Narrative," 18.
[42] - Este, é claro, é o insight crucial da obra de H.L.A. Hart, cf. The Concept of Law, Clarendon Law Series (Oxford: Oxford University Press, 1997), 79-100.
[43] - Jacques Derrida, "The Force of Law: The 'Mystical Foundation of Authority,"' Cardozo Law Review 11, no. 919 (1989-1990): 920-1046
[44] - Margaret E. Kick and Kathryn Sikkink, Activists beyond Border (Ithaca, NY: Cornell University Press, 1998); Thomas Risse, Steven Rapp, and Kathryn Sik- kink, The Power of Human Rights: International Norms and Domestic Change (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1999); Beth Simmons, Mobilizing for Human Rights: International Law in Domestic Politics (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2009).
[45] - Por iterações democráticas, eu estou querendo dizer processos complexos de argumento público, deliberação e troca através dos quais reivindicações universalistas de direitos são contestadas e contextualizadas, invocadas e revogadas, propostas e posicionadas por meio de instituições jurídicas e políticas, bem como em associações da sociedade civil. Para uma declaração mais recente que aborda várias objeções críticas, ver Seyla Benhabib, "Democratic Exclusions and Democratic Iterations: Rethinking The Rights of Others," in Dignity in Adversity, ch. 8, 138-66.
[46] - Beth Simmons, "Civil Rights in International Law: Compliance with Aspects of the 'International Bill of Rights,'" Indiana Journal of Global Legal Studies 16, no. 2 (Summer 2009): 437-81, here 443. Abreviado no texto como Simmons, seguido pela página.
[47] - Alec Stone Sweet, "A Cosmopolitan Legal Order: Constitutional Pluralism and Rights Adjudication in Europe," Global Constitutionalism 1, no. 1 (2012): 53-90.

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