Em comunicação, pouco importa a intenção; interessa aquilo que efetivamente se realizou, o conteúdo que foi transmitido. A propaganda do governo Dilma que está no ar, aquela da mão grande, é uma das coisas mais estúpidas e deseducativas jamais produzidas no Brasil. É também essencialmente mentirosa. Envergonha qualquer um que tenha um pouquinho de bom senso.
As imagens têm história. A mão que vem do alto, em socorro ao ser humano, é, originalmente, a mão de Deus. A matriz dessa iconografia é a “A Criação de Adão”, de Michelangelo, afresco que está no teto da Capela Sistina. Abaixo, reproduzo a imagem e o detalhe. Sigo depois.
Essa matriz gerou, como disse, ao longo da história — procurem no “Google Imagem” todas as variantes de “A Mão de Deus” — uma tradição iconográfica, a que pertence também a propaganda oficial do governo Dilma.
Como petralhas são uma bestas ao quadrado, logo um deles tirará as patas dianteiras do chão para tentar argumentar, fingindo ter a coluna ereta: “Então Michelangelo era fascitóide?” Ai, ai… A propaganda do governo Dilma inventou um estado generoso, que concede benefícios àqueles cá da terra, como se chovessem casas, estradas, escolas, benefícios sociais vários, sem qualquer custo; como se um ente realmente superior derramasse maná sobre a Terra, numa lógica da pura doação.
E quem doa os benefícios ao povaréu passivo e sorridente? O estado! E esse estado é encarnado pelo governo Dilma, mais especificamente pela própria Dilma. E aí vem a mensagem malandra: “O Brasil está em boas mãos”. Sei… Poderia soar personalismo. Então vem a emenda do soneto: “Nas mãos do povo brasileiro”.
Desde a democratização plena, o país está nas mãos do povo brasileiro. Esteve também quando os adversários do PT foram eleitos. Assim como o Estado, a Dilma e o PT não nos dão nada, também não foi este governo (ou o de Lula) que nos deu a democracia. Ela foi uma construção coletiva.
A mão que concede benefícios não é a mão de Deus, não é a mão do Estado, não é a mão de Dilma. A mão que concede benefícios é a dos trabalhadores que pagam impostos, que arcam com a carga tributária mais alta do mundo, que beira a extorsão. Não existe essa doação, não existe esse presente, não existe essa chuva de maná.
Digo que a propaganda é fascistóide porque ela supõe a existência de um povo, como direi?, passivamente mobilizado, que é uma característica dos regimes fascistas, organizado à espera do provimento, como se as ações sociais nunca tivessem custo e decorressem da generosidade do estado e dos governantes.
Trata-se de uma campanha feita para idiotas, que infantiliza o telespectador, que trata a população como bichos à espera da ração. Tio Rei é rapaz caipira. No fim da tarde, uma das tarefas da molecada na Fazenda Santa Cândida era alimentar as galinhas. A gente abria o paiol e debulhava o milho numa geringonça com manivela. Era virar a taramela do depósito, a galinhada começava a se reunir. Quando saíamos com a bacia de milho, havia aquele mar de penas, uma cena de Hitchcock… E começava a chuva de grãos… Alimentávamos, generosos, aquelas que nos davam os ovos e que acabariam, fatalmente, na panela.
Também nós, os generosos, fingíamos doar aquilo que tirávamos das galinhas.
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