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quarta-feira, 17 de agosto de 2011

In)feliz aniversário, dinheiro de papel!

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HappyBirthdayFiatMoney.jpgQuarenta anos atrás, 15 de agosto de 1971, em uma manhã de domingo, o presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, declarou que o dólar não mais era conversível em ouro.  As 20.000 toneladas do metal amarelo que haviam sido depositadas em Fort Knox em 1944 vinham decrescendo substancialmente devido aos altos custos militares da Guerra do Vietnã.  Os EUA — a principal potência econômica global — não mais podiam honrar seus compromissos financeiros.
Não que antes daquela fatídica data houvesse de fato um padrão-ouro.  Longe disso.  A maioria dos países já havia rompido qualquer elo direto entre suas moedas e o ouro muitos anos antes.  Os cidadãos americanos ainda estavam proibidos, pelo seu próprio governo, até mesmo de portar ouro privadamente.  Não obstante, um tênue elo entre o dólar e o ouro ainda existia.  Sob o novo arranjo monetário criado após a Segunda Guerra Mundial, o dólar havia se tornado a moeda de reserva internacional, e os bancos centrais de todo o mundo receberam uma garantia dos EUA de que poderiam trocar suas reservas em dólares por ouro a um preço fixo.  Porém, naquela data de 1971, os EUA deram calote nessa promessa e, ato contínuo, removeram o último obstáculo para a ilimitada produção de dinheiro de papel.  Após o decreto de Nixon, os bancos centrais estrangeiros não mais poderiam trocar seus dólares acumulados por ouro ao preço oficial de US$ 35 a onça.  Com efeito, eles simplesmente não mais poderiam exigir que o governo americano redimisse dólares em ouro.
Após esse evento, conhecido como "o choque de Nixon", o dinheiro em todo o mundo tornou-se meramente uma moeda de papel sem lastro — ou, cada vez mais, uma moeda eletrônica —, que poderia ser criada por produtores privilegiados — bancos e bancos centrais — praticamente sem limite.  (E hoje, como consequência dessa liberdade para se inflacionar, o atual preço do ouro já está acima dos US$1.600!)
O sistema de Bretton Woods foi, assim, oficialmente extinto naquela data, e o dólar se tornou uma moeda totalmente fiduciária, lastreada não por ouro mas sim pela simples promessa do governo.
Isso representou o fim de um regime monetário que, desde a alvorada da civilização, havia tornado o dinheiro tanto um meio geral de troca como também uma reserva de valor.  O que começou em 1971 foi uma nova era de anormalidade histórica.  Uma era de moedas de papel fiduciárias e de curso forçado, gerenciadas por bancos centrais monopolistas.  Uma era em que a capacidade de fornecer crédito e financiamentos se tornou tão ilimitada quanto a capacidade do banco central de produzir papel pintado, cujo uso o governo decretou ser obrigatório.
Com a extinção dos últimos vestígios do ouro — aquela "relíquia bárbara" do passado, nas palavras de Keynes —, a irritante limitação (para o governo, é claro) à criação de dinheiro e crédito do nada foi finalmente abolida.  As necessidades humanas, bem como as demandas políticas mobilizadas por meio de maiorias (e minorais) democráticas, são infinitas.  Logo, por que parar a gastança?  Por que sacrificar os prazeres imediatos?  Um papel-moeda fiduciário e de curso forçado, destituído de quaisquer propriedades intrínsecas, libera os governos de seus compromissos com a conversibilidade, garantindo poderes ilimitados para os soberanos desse sistema estatista.
Com o fim dos últimos vestígios de um sistema monetário sólido, Keynes tornou-se o profeta de uma nova era de prazeres e exaltações, tudo sob o novo evangelho da gastança.  O papel-moeda fiduciário e de curso forçado ajudou a remover o elo entre a produção e o consumo, fazendo crer que o consumo não apenas independe da produção, como também pode antecedê-la.  Ainda pior: contribuiu para o delírio de que a escassez de capital — que é o estado natural da civilização — pode ser abolida mediante a simples impressão de dinheiro.
Os bancos centrais podem hoje imprimir qualquer quantidade de dinheiro que julguem necessária.  O dólar, que funciona (pelo menos até agora) como moeda de reserva internacional, tem o poder de adquirir bens reais sem oferecer absolutamente nada em troca.  O Banco Central americano imprime dólares, estes são enviados ao exterior e, em troca, estrangeiros mandam bens reais aos americanos.  O que eles ganharam em troca?  Pedaços de papel, os quais eles vão utilizar para comprar títulos do Tesouro americano, ajudando a financiar o déficit orçamentário do governo. 
É claro que, dentre os usuários de dólares, há muita gente que trabalha duro, gente integrada à estrutura de produção e que contribui para a sociedade fornecendo bens e serviços reais.  Mas não podemos ignorar os políticos e os burocratas — uma classe de pessoas completamente distinta.
Essa classe parasítica enfraquece a classe produtiva, além de manipular a produção por meio do gasto público.  No momento, o Banco Central Europeu está monetizando a dívida dos países da periferia europeia, o que significa que ele está imprimindo dinheiro unicamente para comprar os títulos das dívidas destes países.  Ao fazer isso, as pessoas que recebem esse dinheiro ficam na vantajosa posição de adquirir bens e serviços de outros países (a moeda, o euro, é a mesma para todos os países).  E isso, por sua vez, reduz a quantidade de bens disponíveis nesses outros países, fazendo com que os empreendedores desses países tenham menos bens à sua disposição.  Ou seja, o Banco Central Europeu, por meio de simples criação de dinheiro, está retirando recursos reais de empreendedores e desviando esses recursos para o financiamento de pródigas e dissipadoras atividades governamentais, bem como para o bem-estar das pessoas que vivem nesses países deficitários.  Isso é algo totalmente ultrajante, moralmente injusto e economicamente ruinoso.  Trata-se de apenas mais uma estrada no caminho para a servidão.
O papel-moeda fiduciário e de curso forçado tenta fazer o milagre de transformar pedras em pães — ou, mais especificamente, de trocar papel por carros, aparelhos eletrodomésticos e roupas de luxo.  É a maravilhosa sensação de poder gastar e consumir sem a necessidade de produzir.  Por meio do papel-moeda fiduciário e de curso forçado, os países mais ricos e mais poderosos do mundo também se tornaram os mais endividados.
Ao contrário do que ocorreu no século XIX, quando a potência dominante (Grã-Bretanha) acumulava superávits e as nações emergentes apresentavam crescente endividamento, agora está ocorrendo o oposto.  Tanto o déficit externo americano, bem como seu irmão gêmeo, o déficit orçamentário do governo, absorvem o grosso da poupança mundial, ao passo que os países emergentes, mais notavelmente a China, fazem os empréstimos, financiando a gastança americana.  E tudo indica que a China — o maior credor do governo americano, detendo mais de 25% de todos os títulos da dívida americana em mãos de estrangeiros — não vai se resignar a permanecer passiva todo esse tempo, vendo o valor dos títulos americanos que ela comprou diminuindo continuamente.
Os Estados Unidos — mesmo quando foram fundados em 1776 por meio de uma revolução libertária contra o despotismo arbitrário de um estado britânico que queria impor tributos sem nenhuma consulta — possuem em seu DNA os genes do alto gasto público e do ilimitado crescimento governamental.  Os Estados Unidos de hoje nada têm a ver com aquele de Thomas Jefferson.  Os princípios que nortearam sua fundação foram esquecidos há um século, com a criação do Federal Reserve em 1913, com a explosão dos gastos governamentais e o consequente aumento nos impostos e no endividamento.
Conclusão
O mundo pode continuar a jornada que começou a trilhar em 15 de agosto de 1971, ou pode reconhecer que aquilo foi um erro trágico que trouxe consequências terríveis.
Defensores de um leviatã com poderes ilimitados não apenas propõem doses adicionais de expansão monetária para mitigar a atual crise — a qual foi causada justamente por expansões monetárias ilimitadas —, como também estão propondo a criação de uma moeda única global a ser controlada por um banco central mundial[1].  Segundo esse modelo, os principais bancos centrais do mundo poderiam implementar medidas unificadas e oligopolistas, tudo sob o pretexto de estarem coordenando suas políticas monetárias.  Isso resultaria em um desastre total e no triunfo supremo exatamente do sistema que levou à atual crise.
A alternativa é um retorno a um sistema monetário sólido, uma restauração da moeda verdadeira — a qual surgiu espontaneamente no mercado, sem nenhuma imposição estatal — e uma rejeição a todo e qualquer tipo de intromissão dos governos no sistema monetário. 
E a abolição dos bancos centrais.


[1] Essa foi a proposta de Keynes durante a conferência de Bretton Woods, na qual ele recomendou a imposição do 'bancor' como a moeda internacional.

Jordi Franch leciona administração e economia na Universidade de Manresa, na Espanha, e na Universidade Técnica da Catalunha.  Ele descobriu Mises durante sua pós-graduação, mas o diretor de seu departamento de economia o proibiu de fazer seu Ph.D em economia austríaca.  Então ele foi à Universidad Rey Juan Carlos, em Madrid, e lá descobriu Jesús Huerta de Soto. Tradução de Leandro Roque


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